As Mãos
Ter a coragem, a mãe de todas as virtudes, na mão. Construir o carácter, ser mestre de si próprio.
À descoberta dos verbos das mãos
"Os acontecimentos mais ricos acontecem-nos antes que a alma se aperceba deles. E quando começamos a abrir os olhos sobre o visível, já estamos há muito tempo aderentes ao invisível." Gaston Bachelard
"(…) A visão de certos objectos, de certos seres vivos está carregada duma tal carga afectiva que é interessante surpreender as fraquezas dos espíritos fortes que fazem glória de as estudar." Gaston Bachelard, in «Filosofia do Novo Espírito Científico»
"Eu queria pegar com as mãos no corpo da manhã.
Porque eu achava que a visão fosse um acto poético do ver.
(...)
E como eu poderia saber que o sonho do silêncio era ser pedra!"
Manoel de Barros
Coração Habitado
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de deus
— eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.
Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"
All photo credits by Helena Simões da Costa © 2015
A Mão
Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
E nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível. (…)
Carlos Drummond de Andrade